quarta-feira, 27 de julho de 2016

A Fonte Santa


                     TEXTO-FONTE                         

                         A FONTE SANTA

Mesmo com calor, a alegria era grande. A balbúrdia que se sentia no ar, era saudável. Mulheres e Homens de todas as idades coalizavam-se para a grande festa que se adivinhava. Era sempre no primeiro fim de semana de Agosto esta romaria grande, que tinha sempre uma parte profana e outra religiosa. A primeira promovia a folia e a convivialidade; o prazer da vida e do jogo popular; e os prazeres da carne, da festa colectiva, da gastronomia popular. A segunda promovia o silêncio e a espiritualidade; a limpeza da alma e princípios ditos da religião... A festa era ao Senhor São Gualter...
Este era o braço direito de S. Francisco. Tinha sido convidado — o mestre — pela rainha mulher de D. Sancho II dito, o Gordo, para propalar por palavras sábias, a denúncia daqueles que, em nome da igreja chamada de Cristo, se serviam dela atafulhando-se de privilégios e pretendas de roupagens e "albardas" finas, que envergonhavam a crença verdadeira e o sacrifício do homem crucificado: Cristo.
¾         Vais pregar princípios. Para homens e mulheres de toda a condição. Para ti todos serão respeitados mas, os mais pobres, sempre em primeiro lugar — ouvira ele ditas desta forma as palavras do Mestre.
¾         Vai, vai, Gualter meu amigo. Sei que faras junto dos homens justos, unidos pela honra e pelo trabalho a divulgação da nossa vontade: combater os abusos dos poderosos, a ignorância e a tirania.
Era assim no século XIII e Gualter com mais dois amigos desapegados da fortuna mas preocupados com os homens, fizeram-se aos caminhos e vieram até as terras de Riba d'Ouro, mais propriamente as terras de gentes de Entre Ambas as Aves: os rios Avicela e Ave.
Como eram habituados às agruras da natureza, recolhiam-se como eremitas nas franjas ermas das cidades. Passavam os dias em conversas de ideias e oratório com o povo anónimo e ao fim do dia recolhiam--se.
Ora se conta que havia uma fonte, ali para "Colgeses", onde Gualter costumava dessedentar-se e meditar. Com o passar do tempo, os mais pobres e doentes se foram chegando à fonte e o esperavam com enorme paciência. Era ele que limpava com aquela água, sangue da terra, as feridas dos homens.
Com o tempo a passar lesto, logo se foram falando em voz baixa e depois "à-boca-cheia" das limpezas das feridas, das dores e das pandemias que se livravam com aquele santo homem que tinha tempo para lhes curar as maleitas, enquanto o ouviam. Era de tal forma sábio e de tal maneira paciente, que a sua memória o registou na história local e os seus actos humanos se transformaram em muitos milagres e a sua sabedoria em santidade.
Assim nasceu a devoção a S. Gualter e que a vontade do povo escolheu como patrono para denominar as festas de tradição local: as Gualterianas.
Por todos os tempos se cumpriu a tradição e se reforçou a devoção. Em todos os tempos se fizeram feitos e factos dignos de serem contados. Eu quero aqui referir este que me contou o Sr. António, da velha Festada de Guimarães.
No século XVIII se construiu a fonte em memória do santo, tal como se construiu o convento franciscano. A água daquela fonte era reconhecidamente milagrosa para muita gente e mesmo ao longo dos tempos com os justos e com os pobres d'espírito se referiam milagres acontecidos a que nunca foi pedida confirmação.
S. Gualter dava riqueza aos homens justos e trabalhadores. Conta-se por exemplo que os aguadeiros da festa que a vendiam a cinco tostões o caneco a saber a limão, iam à água ali à fonte do Santo, onde se fazia a mistela da Água Santa:
Sumo e cascas de lima ou limão verde, roubado nas bermas do caminho.
O açúcar amarelo que vinha num pacotinho de papel no bolso e duas dúzias de gotas de anis escarchado, que trazia o homem bem guardado no frasco do bolso de dentro do casaco e que por vezes era misturado com bagaço de lavrador da região. Vendido como elixir contra a sede e o mau-olhado, era com bom resultado a fortuna do negociante durante as festas anuais ao santo. O outro milagre era mais melindroso a deixava qualquer homem nervoso. Dizia-se que de tantas vezes o diabo ter tentado S. Gualter que ele terá uma única vez tido o prazer de lhe lançar uma praga ou pulha que rezava assim:

O demo ardiloso e cão
Que de macho homem és disfarçado
Qu'esta água te faça são
Sempre que sejas macho encornado.

Não sabemos se terá sido verdade esta falta de paciência do santo, mas durante muito tempo os homens de todas as idades vinham a fonte fazer a sua ablução demãos e braços e pés e cara e cabeça. As mulheres ficavam a ver.
Uma madrugada fresca, de forma inesperada, a mulher trabalhadeira do Toino Marrão foi por um molho de couves a refrescar na fonte, para levar ao mercado, quando ficou de olho pregado na pia da água. Lá dentro o qu'ela via era um grande par-de-ditos que não havia nem cabras nem cabritos da região com tal formação. Logo pensou no demo e correu a chamar o padre mais próximo, qu'era o Jerónimo de Vila Verde, que só acreditou quando pegou em suas mãos no dito par de chifres e logo ali decidiu descobrir de que homem da freguesia andava disfarçado o demo.
Claro que quando constou o caso, não mais os homens se chegaram à Fonte Santa e até se diz que ao chegar a festa continuam a fugir de Guimarães os vimaranenses que restam...
Sabe-se que o par de cornos ainda não tem dono e, assim, o demo continua a andar à solta.
As Gualterianas aí estão com toda a pujança e alegria de séculos.

Contos e lendas de URZESES, ilustrações de Joaquim António Salgado de Almeida, Texto de Capela Miguel (existente no dossiê Ler+Mar: Da Penha vê-se o mar”)

Fonte Santa
Todos os anos as pessoas
Juntam-se para as Gualterianas
Onde há atividades
Religiosas e profanas

S. Gualter se festeja
Um santo milagreiro
A quem a rainha pediu
Que a fé espalhasse
Pelo mundo inteiro

Gualter e dois amigos
Vieram até Riba D’Ouro
Onde encontraram uma fonte
Que se transformou num tesouro

Diz-se que a tal fonte
Em Urgeses ficaria
Nela Gualter meditava
E a água fresca bebia

Aquela água e Gualter
As feridas graves curavam
De tal forma era mágica
Que multidões ali se juntavam

E é assim que se cumpre
Uma velha tradição
Todos os anos em agosto
Há grande peregrinação


                                Gabriel, Guilherme e Manuela, 4º ano, Pegada



EB 2,3 Egas Moniz


Sem comentários:

Enviar um comentário